quinta-feira, 24 de junho de 2010

O Eterno Marido

Universalmente considerado como um dos iniciadores da literatura moderna, Dostoiévski é também em muitos aspectos um precursor do pensamento de Freud pela admirável compreensão das motivações profundas e não conscientes, do sofrimento psíquico, da linguagem dos sonhos, dos laivos de loucura que caracterizam os comportamentos. Neste conto, o autor trata de um tema muito divulgado nas literaturas europeias de meados do século XIX, especialmente na francesa: o argumento narra um triângulo amoroso – marido, mulher e amante – através da voz de um homem rico e indolente, que é confrontado com o marido, depois viúvo, da sua amante. À semelhança de «O Idiota», já publicado nesta colecção, em «O Eterno Marido» o ciúme é o tema-chave; mas, enquanto naquele livro os conflitos são vividos, através de uma perspectiva cómica, por personagens dotados de grande força interior, em «O Eterno Marido» dá-se a dramatização do tema, logo esse sentimento é elaborado em função de um personagem cheio de fragilidades, propenso a uma passividade que o expõe ao ridículo, e as suas tentativas de abafar os seus ressentimentos e alcançar a felicidade a todo o custo acabam por se exteriorizar assumindo os contornos do crime. No entanto, mais do que esta compreensão que Dostoiévski possui em relação aos comportamentos, fascinam-nos a sua intuição poética e o seu alcance filosófico, que nos deixam perante o enigma do psiquismo humano como mistério insondável que não obedece a qualquer lei da vida material.

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